Se seguem o blog, sabem que no passado, e por mais do que uma vez (aqui e aqui) falei da minha ideia de que podemos viver e conviver todos/as em harmonia neste (minúsculo) mercado dos bolos. Que somos todos colegas. Que, como se diz muito na minha profissão de dia, “andamos todos ao mesmo”. Sim, vou falar de concorrência no mundo dos bolos decorados. Outra vez.
Esta minha ideia (louca) acompanha-me deste o início, desde que comecei a fazer bolos e dizia que fazia isto só para descontrair. Isso não deixou de ser verdade, apesar de se ter transformado num projecto com um pouco mais de ambição. A verdade é que continuo a fazer isto para descontrair. E, também por isso, tenho dificuldade em lidar com algumas duras realidades naquele que é o meu “lugar feliz”. Eu cheguei a este mundo com alguma inocência sobre o negócio e gosto de pensar que mantive um pouco dessa inocência.
É nessa inocência que vive esta ideia de que podemos ser todos colegas e companheiros. Apesar de já ter passado por alguns maus momentos e por muitas desilusões, continuo a acreditar nisto. Continuo a ajudar (e a recomendar) os meus “concorrentes”. Se achar que o cliente procura “aquele” tipo de trabalho (que não é o meu), recomendo-o à “concorrência”, sem problema. Mesmo se não gostar do concorrente-pessoa e só gostar do concorrente-trabalho. É uma espécie de ética que não me tira o sono, porque sinto que presto um melhor serviço ao meu cliente. Se eu fizer um bolo que nada tem a ver comigo, nem eu fico contente nem o cliente ficará, certamente. Além disso, só é mesmo nosso concorrente quem nós reconhecemos como tal… mas isto, por si só, é um outro post!
A concorrência saudável é dificultada pela questão dos preços. As pessoas que começam “a fazer bolos” cobram muito pouco, o que acaba por ser injusto para quem já está estabelecido (e a pagar impostos, licenças, seguros, rendas, etc) e isso acaba por estragar o mercado para todos. Porquê? Bom, quem começa não vai ficar nessa etapa inicial para sempre: ou desiste ou insiste. Se insistir, vai percebendo, aos poucos, os erros que tem vindo a cometer. Vai fazendo melhores e mais contas. Vai chegar ao mundo do food cost. Vai chegar ao mundo dos overheads. Enfim, vai perceber que anda a pagar para trabalhar e finalmente entenderá porque razão nunca sobra dinheiro. Nesse momento, vai começar a cobrar um pouco mais e, naturalmente, passará para outro nível.
Outros não saem do mesmo. E não saem porque não têm problemas em ter clientes: os preços baixos garantem uma clientela quase fixa (mas estão a convencer os seus clientes de que um bolo decorado pode ser muito barato e irreal, que não se poderá manter a longo prazo). Os clientes acreditam nestes preços e não vão querer pagar mais. Os prestadores mais caros têm de descer os seus preços (abaixo do custo) para ter clientes. E nem uns nem outros beneficiam, pois o preço baixo não cobre nada: nem ingredientes, nem mão de obra, nem overheads. E o produto nunca será de qualidade: não haverá dinheiro para ingredientes de qualidade. E assim se estafa um mercado: e já aconteceu em muitos mercados diferentes, de produtos diversos, maiores, mais pequenos, em várias escalas. É por isso que existem leis que impedem a concorrência desleal e se proíbe a concertação de preços ou a venda abaixo de custo. Para que continuemos todos ao mesmo.
Em última instância, o resultado das guerras de preços baixos é um produto sem qualidade. Não é isso que queremos. Um negócio com um produto sem qualidade extingue-se, acaba. É por isso que temos de elevar os padrões. Quem procura um bolo personalizado procura algo diferente e nós existimos para oferecer algo diferente. Prestar um excelente serviço e, sobretudo, entregar um produto da melhor qualidade. É esse o meu objectivo sempre: a qualidade de produto é o meu Graal e no dia em que deixarei de o procurar, terei de mudar de vida.
Sermos felizes enquanto “fazemos bolos” implica podermos viver condignamente do nosso trabalho e, eventualmente, poder pagar a outras pessoas para nos ajudarem, criar um valor acrescentado, devolver à comunidade o apoio que nos dá, manter um negócio, criar um modo de vida. Precisamos de saber que entregar um bolo é, simultaneamente, um acto de criação e um acto de trabalho honesto. Que merece ser remunerado, como todo o trabalho honesto. E não podemos continuar a acreditar que basta juntar ovos e farinha para ter um bolo (ou um negócio). Para o nosso bem, para o bem dos nossos colegas, do nosso mercado e dos nossos clientes, temos de elevar todos os nossos padrões de qualidade e de serviço. É apenas mais uma faceta desta vida doce!
Continuo a escrever sobre estes temas, porque me apaixonam imenso e porque os tenho estudado cada vez mais, à medida que vou tentando descobrir o que é isto de ter um negócio. E é tanta, tanta, tanta coisa. Apaixonante, mas muita coisa. Não sei se vos interessam, sequer, estes temas… Deixem por cá um comentário!
Deixo-vos mais umas imagens do Foodelia e dos meus últimos bolinhos. E sejam bons para a vossa “concorrência”, seja ela quem for: é alguém que tem a mesma paixão que vós, decerto terão mais em comum do que pensam!
Beijinhos doces,
Lídia
Concordo em absoluto com essa postura, acredito que apesar de ser um mercado difícil, há clientes de todos os tipos e cake designers com trabalhos diferenciados para agradarem aos mesmos. Tambem cometi erros e ainda me custa definir preços (dá trabalho!) mas agora jamais cobro apenas o preco de custo. Prefiro ter menos encomendas mas dar o meu melhor em cada bolo e nunca usar maus ingredientes.
Mas sem querer tenho que pôr o dedo na ferida: este é um meio feminino, e acima de tudo entristece-me ver que ainda há quem nao entenda que enfraquecemos a comunidade, ao retirar valor e dignidade do nosso trabalho, cada vez que a inveja superar a entreajuda e apoio!
Temos mesmo que mudar a mentalidade instalada! Força Lídia, há sempre quem esteja aqui para o combate ☺
Obrigada Patrícia! Fazer orçamentos é mais difícil do que bolos esculpidos de 10 andares 🙂 a verdade é que todos cometemos erros, é assim que aprendemos. Aos poucos, vamos evoluindo e fazendo melhor… É preciso é evoluir e também ajudar os nossos clientes a entender a diferença do nosso trabalho e do nosso valor. Ainda bem que está por aí a ler, já me sinto mais acompanhada! Beijinho e força! :*